Rule of Rose e o mal da desinformação: até quando devemos acreditar em tudo?

Em 2006, o PlayStation 2 recebia Rule of Rose, um jogo de terror psicológico que prometia levar os jogadores para uma experiência densa e perturbadora.
Desenvolvido pela pequena equipe japonesa Punchline, o título rapidamente se tornou um dos mais controversos de sua época, não apenas por sua história misteriosa, mas por uma onda de desinformação que o transformou em alvo de críticas infundadas, levando a seu cancelamento em diversos países.
Mais do que um jogo, Rule of Rose é um estudo de caso sobre como narrativas distorcidas podem destruir reputações, impactar carreiras e silenciar vozes criativas.
O coração do terror psicológico
Ambientado na Inglaterra dos anos 1930, Rule of Rose acompanha Jennifer, uma jovem de 19 anos que, após sofrer um acidente traumático, se vê presa em um orfanato sombrio governado por um grupo de meninas cruéis, autoproclamadas “Aristocratas do Giz Vermelho”.
Essas crianças impõem uma hierarquia rígida, ditada por regras arbitrárias e punições severas, em um ambiente que mistura elementos de contos de fadas dos irmãos Grimm com o horror psicológico de jogos como Silent Hill. E acompanhada por Brown, um cão fiel, Jennifer enfrenta memórias fragmentadas de seu passado, desvendando aos poucos os horrores de sua infância.
A narrativa do jogo é intencionalmente ambígua, convidando o jogador a interpretar os acontecimentos. A violência, muitas vezes implícita, e os temas de bullying, abuso e traumas infantis são tratados com sutileza, frequentemente por meio de metáforas visuais e narrativas.

Inspirado em obras como O Senhor das Moscas, o jogo explora a crueldade que pode surgir em uma sociedade sem a moralidade adulta, mas faz isso sem apelar para o sensacionalismo. A Punchline queria criar algo diferente: um terror que não dependesse de sustos baratos, mas que provocasse desconforto pela profundidade emocional de sua história.
No entanto, essa abordagem ousada seria mal interpretada, desencadeando uma tempestade de controvérsias.
Opiniões mistas, mas de quem jogou
Quando lançado, Rule of Rose dividiu opiniões. A crítica elogiou sua atmosfera opressiva e a trilha sonora melancólica, que se inspirava no suspense de filmes de Alfred Hitchcock. A direção artística, com cenários pálidos e decadentes, reforçava o tom de desolação, enquanto a história complexa cativava jogadores dispostos a decifrar seus enigmas.
No entanto, a jogabilidade, com controles desajeitados e combates pouco intuitivos, foi amplamente criticada. Revistas como Edge chegaram a chamar a trama de “sombria sem sentido”, enquanto outros, como The AV Membership, destacaram que os personagens eram “mais sinistros do que sexualizados”.
O jogo obteve uma pontuação média de 59/100 no Metacritic. Mas, apesar das críticas, Rule of Rose conquistou uma base de fãs dedicada, que by way of na narrativa um reflexo de traumas reais e na jogabilidade um espelho da vulnerabilidade de Jennifer.
Para esses jogadores, o jogo period uma obra de arte, mesmo com suas falhas. Contudo, fora do nicho dos fãs de terror psicológico, o título enfrentaria um obstáculo muito maior: a desinformação que o transformaria em um vilão ethical.
Quando a ficção é confundida com realidade
A controvérsia em torno de Rule of Rose começou na Europa, onde o jogo estava prestes a ser distribuído pela 505 Video games. Em novembro de 2006, a revista italiana Panorama publicou uma matéria sensacionalista com a manchete “Quem enterrar a menina viva, vence”.
O texto, assinado pelo jornalista Guido Castellano, acusava o jogo de promover violência extrema contra crianças, sadomasoquismo e até sexualização de menores. A matéria, repleta de exageros e informações falsas, não se baseava em uma análise aprofundada do jogo, mas em suposições sensacionalistas que distorciam sua história.
A repercussão foi imediata. Franco Frattini, então ministro da Justiça da União Europeia, condenou o jogo, chamando-o de “crueldade obscena e brutal”. Na Polônia, o Ministério da Educação questionou sua adequação para menores, enquanto no Reino Unido, políticos pressionaram por uma proibição.

Em março de 2007, uma moção no Parlamento Europeu pediu a proibição da venda e distribuição do jogo em toda a Europa, além da criação de um “Observatório Europeu na Infância e Menores”.
A 505 Video games, pressionada, cancelou o lançamento no Reino Unido, e a distribuidora Purple Ant Enterprise anunciou o cancelamento na Austrália e na Nova Zelândia, alegando que o jogo não havia sido submetido à classificação necessária.
O mais grave, porém, foi a resposta do Conselho de Padrões de Vídeo britânico, responsável pela classificação 16+ do jogo. Em um comunicado, a instituição declarou: “Não faço ideia de onde veio a sugestão de sadomasoquismo ou de crianças sendo enterradas no subterrâneo”.
A classificação indicava que o jogo não continha o conteúdo extremo alegado, mas a narrativa já havia sido distorcida pela imprensa e por figuras públicas. Rule of Rose tornou-se vítima de uma campanha de desinformação que ignorou seu contexto artístico e inventou medos infundados.
O poder destrutivo da desinformação
A desinformação não é apenas a disseminação de informações falsas; é a construção de narrativas que manipulam emoções e moldam percepções. No caso de Rule of Rose, a matéria da Panorama explorou o medo coletivo de temas sensíveis, como violência infantil, para gerar indignação.
Sem verificar o conteúdo do jogo, políticos e mídia amplificaram a narrativa, criando um pânico ethical que transformou uma obra ficcional em uma suposta ameaça à sociedade. Esse fenômeno não é exclusivo do jogo: a desinformação tem o poder de estigmatizar indivíduos, destruir reputações e silenciar vozes, muitas vezes com consequências duradouras.
Para os jogadores, a desinformação limitou o acesso a uma experiência única. No Reino Unido e na Austrália, cópias do jogo tornaram-se raridades, com preços exorbitantes no mercado de colecionadores. Para a Punchline, as consequências foram ainda mais devastadoras.

A pequena desenvolvedora, que já havia lançado apenas um outro jogo, Chulip, enfrentou críticas públicas e viu sua reputação manchada. Após o cancelamento, a empresa desapareceu do radar, incapaz de se recuperar do impacto financeiro e emocional.
Yoshiro Kimura, fundador da Punchline, expressou em 2023 o desejo de relançar Rule of Rose, mas admitiu que a probabilidade é de apenas 1%, devido à complexidade dos direitos autorais e ao trauma associado à controvérsia.
A desinformação também afeta a sociedade em um nível mais amplo. Quando narrativas falsas ganham tração, elas desviam a atenção de questões reais, como o combate ao abuso infantil, e criam um ambiente de desconfiança.
No caso de Rule of Rose, a polêmica desviou o foco de sua mensagem sobre traumas e resiliência, reduzindo-a a uma caricatura sensacionalista. Esse ciclo de distorção não apenas prejudica os criadores, mas priva o público de reflexões importantes que a arte pode oferecer.
Muitos lembram de Rule of Rose
Quase duas décadas após seu lançamento, Rule of Rose conquistou o standing de clássico cult. Fãs dedicados mantêm viva sua memória em fóruns, vídeos no YouTube e análises que destrincham seus simbolismos.
A descoberta recente de um lote de cópias britânicas, possivelmente destinadas ao lançamento cancelado, reacendeu o interesse pelo jogo, mas também destacou sua raridade e o impacto duradouro da proibição.
Para muitos, Rule of Rose é uma prova de que o terror psicológico pode ser mais do que sustos: pode ser uma janela para a psique humana, mesmo que nem todos estejam prontos para olhar através dela.
A história de Rule of Rose é também um lembrete do perigo da desinformação. Em uma period de redes sociais e notícias instantâneas, narrativas falsas podem se espalhar mais rápido do que nunca, causando danos irreparáveis. Para a Punchline, a polêmica foi um golpe deadly; para os jogadores, foi a perda de uma obra que merecia ser compreendida.
Cabe a nós, como consumidores de informação, questionar manchetes sensacionalistas e buscar a verdade além do pânico ethical. Só assim poderemos evitar que histórias como a de Rule of Rose se repitam, garantindo que a arte, mesmo a mais provocadora, tenha espaço para florescer.