20 anos de Haunting Ground: quando fugir nunca foi a única alternativa

Em abril de 2005, a Capcom lançava Haunting Ground (ou Demento, no Japão), um survival horror que, mesmo não alcançando o estrelato de Resident Evil ou Silent Hill, conquistou um lugar especial no coração de fãs do gênero.

Vinte anos depois, o jogo permanece uma pérola cult, uma experiência que desafiou convenções ao colocar uma protagonista vulnerável em um castelo tenebroso, onde a sobrevivência dependia tanto de astúcia quanto de coragem.

Para celebrar esse marco, mergulhamos no legado de Haunting Floor, explorando sua história, os elementos que o tornaram memorável e o curioso abandono por parte da Capcom, que deixou essa obra única sem continuidade.

Um nascimento turbulento na period de ouro do survival horror

Na primeira metade dos anos 2000, a Capcom vivia um ótimo momento criativo. Resident Evil 4, lançado meses antes, redefinia o gênero com sua abordagem mais voltada para a ação, enquanto Devil May Cry consolidava a empresa como mestre em experiências hardcore.

Nesse contexto, Haunting Floor nasceu de um protótipo descartado de Resident Evil 4, com um roteiro assinado por Noboru Sugimura, conhecido por seu trabalho em Onimusha.

A ideia inicial period criar um survival horror centrado em uma protagonista feminina, mas a Capcom, temendo que uma heroína solitária não fosse bem recebida, introduziu Hewie, um pastor alemão albino que se tornaria peça-chave na jogabilidade e na narrativa.

Haunting Ground
Fonte: Reprodução

O jogo segue Fiona Belli, uma jovem que, após um acidente de carro, acorda em uma jaula no Castelo Belli. Desorientada e frágil, ela descobre que está no centro de uma trama sobre alquimia, obsessão pela imortalidade e segredos perturbadores de sua própria família.

A premissa, embora não revolucionária, ganha força pela atmosfera opressiva e pelos temas voyeurísticos que se refletem a todo momento da experiência, remetendo a filmes de terror psicológico como Suspiria, de Dario Argento.

Haunting Floor não period apenas mais um jogo de terror; period uma exploração do desespero e da fragilidade humana em um ambiente muito hostil.

O terror de ser observado

O que faz de Haunting Floor uma obra singular é sua capacidade de transmitir medo não apenas pelo que está à vista, mas pelo que parece espreitar nas sombras.

O Castelo Belli, com seus corredores labirínticos, candelabros tremeluzentes e portas trancadas, é mais do que um cenário: é um personagem vivo, que parece conspirar contra Fiona e não deixá-la respirar por um segundo sequer.

A direção de arte, com ambientes detalhados que rivalizam com os melhores títulos do PS2, cria uma sensação constante de desconforto. Cada sala parece esconder um segredo, e a trilha sonora intensifica a tensão com notas minimalistas como sussurros.

Os perseguidores — Debilitas, Daniella, Riccardo e Lorenzo — são o coração do survival horror. Cada um deles é uma ameaça única, com motivações que vão desde a obsessão infantil até a crueldade calculada.

Haunting Ground
Fonte: Reprodução

Debilitas, o jardineiro deformado, persegue Fiona com uma mistura de curiosidade e violência desajeitada, enquanto Daniella, a governanta instável, reflete um horror mais psicológico com seu olhar vazio e gestos erráticos.

Riccardo, com sua pistola e intenções sinistras, eleva a tensão a níveis claustrofóbicos, e Lorenzo, o último obstáculo, surpreende com sua transformação grotesca. Esses antagonistas não são apenas inimigos; são manifestações de diferentes personas do medo.

A câmera, um elemento muitas vezes subestimado, é uma ferramenta brilhante em Haunting Floor. Diferentemente dos ângulos fixos de Resident Evil, ela se transfer dinamicamente, acompanhando Fiona em corredores ou se aproximando em momentos de tensão.

Haunting Ground
Fonte: Reprodução

Em certos instantes, a perspectiva muda para a visão em primeira pessoa, como quando Fiona se esconde sob uma cama, colocando o jogador diretamente em sua posição de vulnerabilidade.

Essa alternância entre ser a vítima e, por breves momentos, sentir-se como o observador, cria uma dualidade perturbadora que amplifica consideravelmente o impacto emocional do jogo e sua consequente identificação.

Mecânicas que desafiam e cativam

Haunting Floor se distancia dos padrões do survival horror ao eliminar combates diretos. Fiona não empunha armas; sua força reside na furtividade, na resolução de enigmas e na relação com Hewie.

O cão, longe de ser apenas um acessório, é essencial para a sobrevivência. Ele pode distrair perseguidores, recuperar itens ou até atacar, mas sua eficácia depende do vínculo com Fiona. Elogios, carinhos ou pedaços de comida fortalecem essa relação, enquanto negligenciá-lo pode levar Hewie a desobedecer ou até desmaiar.

Essa mecânica de “adestramento” adiciona uma camada emocional rara em jogos de terror, transformando Hewie em um companheiro tão important quanto a própria protagonista.

A gestão de vigor e de pânico é outro destaque. Correr demais esgota Fiona, deixando-a lenta e vulnerável, enquanto o medo acumulado pode desencadear um estado de pânico, onde a tela perde cor, ela tropeça e o controle do jogador é parcialmente perdido.

Haunting Ground
Fonte: Reprodução

Essa simulação de adrenalina e desespero é brilhante, mas também frustrante em longas sequências de perseguição, especialmente quando os esconderijos são escassos. A IA dos perseguidores, que memorizam esconderijos usados anteriormente, força o jogador a improvisar constantemente, embora a falta de variedade nesses momentos possa torná-los repetitivos.

A alquimia, outro pilar de Haunting Floor, permite criar itens a partir de medalhões encontrados no castelo. Nas salas de síntese, o jogador refina esses objetos em um minijogo que, embora criativo, depende demais da sorte, o que pode desagradar quem prefere recompensas baseadas em habilidade.

Ainda assim, resolver enigmas intricados, como manipular objetos ou usar o ambiente para neutralizar perseguidores, mantém o ritmo envolvente, oferecendo um nível de satisfação em clássicos ao melhor estilo King’s Quest.

Recepção dividida, mas um culto crescente

Lançado em um momento dominado por Resident Evil 4, Haunting Floor enfrentou dificuldades para se destacar. Críticos elogiaram sua atmosfera, gráficos e a ousadia de apostar em uma protagonista indefesa, mas muitos apontaram a jogabilidade repetitiva e o ritmo irregular como falhas.

Hewie foi favoravelmente comparado ao companheiro de Ico, enquanto os ambientes foram destacados como alguns dos mais impressionantes da Capcom. No entanto, o jogo foi criticado por sua dependência excessiva de clichês do gênero e pela mecânica de pânico, que, para alguns, parecia mais punitiva do que imersiva.

Haunting Ground
Fonte: Reprodução

Com o tempo, Haunting Floor conquistou um nicho de fãs que valorizam sua abordagem única. Comunidades no Reddit e fóruns celebraram sua narrativa perturbadora e os temas de objetificação, que, embora controversos, adicionam profundidade.

A ausência de relançamentos amplos — exceto por uma versão digital para PS3 no Japão, em 2015 — contribuiu para seu standing cult, com cópias físicas tornando-se itens raros e cobiçados. Com o tempo, colecionadores agradeceram.

Por que Haunting Floor importa

Mais do que um spin-off espiritual de Clock Tower, Haunting Floor é um marco por sua coragem em explorar a vulnerabilidade. Ao contrário de heroínas armadas como Jill Valentine, Fiona representa a fragilidade humana em sua forma mais crua, desafiando o jogador a encontrar força na inteligência e na resiliência.

A relação com Hewie, inspirada em clássicos como Ico, humaniza a experiência, enquanto os temas voyeurísticos e a objetificação de Fiona, embora polêmicos, criam uma atmosfera de desconforto que poucos jogos ousam reproduzir.

O jogo também reflete a versatilidade da Capcom na period do PlayStation 2, uma época em que a empresa experimentava com ideias ousadas, mesmo que nem todas alcançassem sucesso comercial. Haunting Floor é um lembrete de que o survival horror pode ser mais do que sustos e tiroteios; pode ser uma jornada psicológica que permanece por anos após os créditos finais.

Haunting Ground
Fonte: Reprodução

Apesar de seu potencial, o sport foi abandonado pela Capcom. Em 2011, a empresa confirmou que não havia planos para uma sequência, uma decisão que decepcionou fãs e reforçou a percepção de que o jogo foi ofuscado pelo sucesso de Resident Evil 4.

A falta de remasterizações ou ports para plataformas modernas, exceto pela edição japonesa para PS3, sugere que a Capcom não vê valor comercial em revisitar a franquia. Rumores de um possível relançamento como “PS2 Basic” em 2012 nunca se concretizaram, deixando os fãs dependentes de emuladores ou cópias físicas já difíceis de serem encontradas.

Esse abandono é particularmente frustrante em um momento em que o survival horror vive um renascimento, com remakes de Resident Evil e novos títulos como Dead Space mostrando o apetite do público por experiências de terror.

Um remaster de Haunting Floor, com visuais atualizados e ajustes na jogabilidade, poderia apresentar essa joia a uma nova geração, enquanto uma sequência explorando os temas de alquimia e obsessão teria potencial para se destacar em um mercado carente de protagonistas vulneráveis.

O legado que resiste ao tempo — ao menos para a bolha

Vinte anos após seu lançamento, Haunting Floor continua a fascinar por sua ousadia e imperfeições. É um jogo que não teme expor a fragilidade de sua protagonista, transformando a fuga em uma forma de resistência.

Fiona e Hewie, juntos, enfrentam um castelo que é tanto um labirinto físico quanto psicológico, oferecendo uma experiência que equilibra desespero e esperança. Apesar de suas falhas — a repetitividade de algumas perseguições e a mecânica de alquimia inconsistente —, o jogo brilha por sua atmosfera, narrativa e pela relação única entre seus protagonistas.

A Capcom pode ter deixado Haunting Floor no passado, mas seu culto de fãs garante que ele não será esquecido. Em um gênero onde a sobrevivência muitas vezes depende de armas, Haunting Floor prova que fugir nunca é a única alternativa — às vezes, é a coragem de enfrentar o medo, com um fiel companheiro ao lado, que outline a verdadeira vitória.

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